Como é do conhecimento público, está em vigor desde o dia 30 de Outubro de 2007 a Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto (Lei do Trabalho), que revogou a Lei n.º 8/98, de 20 de Agosto (antiga Lei do Trabalho). A nova lei impõe expressamente no seu artigo 184 que os conflitos laborais individuais e colectivos sejam encaminhados para a mediação antes de serem submetidos à arbitragem ou aos Tribunais do trabalho. É esta uma forma que o Legislador encontrou de procurar aproximar as partes em conflito (o trabalhador e o empregador) antes de submeterem a disputa ao Tribunal. Conseguida a conciliação, evita-se o desgaste que um processo judicial em princípio provoca às partes em conflito. Esperamos pois que esta intensão do legislador se concretize.
Mas não é disto que pretendemos discutir. Pretendemos sim analisar a legalidade do Diploma Ministerial (DM) n.º 75/2008, de 13 de Agosto, aprovado pela Ministra do Trabalho.
Tal como resulta dos dois últimos parágrafos do preâmbulo deste Diploma Ministerial, o mesmo foi aprovado com o objectivo de regulamentar a competência transitória que a Lei do Trabalho, no seu artigo 270º, n.º 1, atribui ao Ministério do Trabalho no que respeita a realização da mediação, enquanto os centros de mediação não entrarem em funcionamento.
É o que se segue o conteúdo dos referidos parágrafos daquele preâmbulo:
“A Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, no seu artigo 270, n.º 1, determina que enquanto estes órgãos (subentenda-se, órgãos de mediação) não entrarem em funcionamento, compete ao Ministério do Trabalho a resolução extrajudicial de conflitos laborais.
Neste contexto, convindo regular o exercício da referida competência,de moldando-a dentro dos princípios imparcialidade, independência, celeridade processual, equidade e justiça, a Ministra do Trabalho determina:”
Pensamos que foi infeliz a Ministra do Trabalho ao tomar tal iniciativa. Vejamos então porquê!
É verdade que a competência transitória atribuída ao Ministério do Trabalho no sentido de proceder à resolução extrajudicial de conflitos laborais, prevista no n.º 1 do art 270 da Lei do Trabalho, carecia de regulamentação. Até porque, não raras foram as vezes em que nós próprios, no exercício da advocacia, vimo-nos confrontados com certas dúvidas relativamente ao modo como o processo de mediação deveria ser dirigido. Exemplificativamente, não era pacífico se o pedido de mediação deveria ser apresentado necessáriamente no Ministério do Trabalho, para que este, por sua vez, fizesse a distribuição para a Direcção Provincial do Trabalho competente, ou se, poderia ser apresentado directamente na Direcção Provincial do Trabalho correspondente à área em que o lítigo laboral teve lugar. Também desconhecíamos quais os órgãos que, dentro do Ministério do Trabalho é que desempenhariam a competência acima referida. Entre outras que, com maior ou menor importância, mereceram, e continuam merecendo, a nossa atenção.
Porém, tal como resulta artigo 269º da Lei do Trabalho, o único órgão com competência para regulamenta-la é o Conselho de Ministros (e nenhum outro), cujos actos normativos tomam, para o caso que ora nos interessa, a designação de decreto (artigo 200 da Constituição da República). Interpretando esta disposição, podemos pacificamente concluir que nenhum Ministro, individualmente considerado (nem mesmo o do Trabalho), tem competência regulamentar nos termos da nova lei do Trabalho.
Aliás, este está muito longe de ser um caso isolado em que a competência regulamentar de uma Lei é atribuída ao Conselho de Ministros e não a um só Ministro. É que aconteceu, por exemplo, com a Lei n.º 8/91, de 18 de Julho (Lei de Liberdade de associação), designadamente, no seu artigo 20. Porém, aqui o poder regulamentar foi efectivamente exercido pelo Conselho de Ministros que, através do Decreto n.º 21/91, de 3 de Outubro, delegou no Ministro da Justiça a competência para o reconhecimento das associações não lucrativas bem como para regular o procedimento do respectivo registo nas Conservatórias do Registo Civil e Comercial (esta última hoje designada Conservatória do Regsito de Entidades Legais).
Ora, num Estado de Direito, a competência não se presume, ela decorre da Lei. É a Lei (aqui tomada no seu sentido amplo) que, casuisticamente, vai atribuindo competência normativa aos diversos órgãos do Estado.
Nestes termos, porque a Lei do Trabalho não atribui competência regulamentar alguma à Ministra do Trabalho e também porque não existe Decreto algum do Conselho de Ministros (que, repetimos, é o órgão com poder para regulamentar a Lei do Trabalho – art. 269 desta Lei) a delegar esta competência regulamentar à Ministra do Trabalho, somos forçados a concluir (com o devido respeito) que o DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, enferma de um vício de INCOMPETÊNCIA, sendo, por conseguinte, ILEGAL.
Podemos, no entanto, afirmar que se o conteúdo do DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, tal como se nos apresenta, tivesse sido aprovado pelo Conselho de Ministros, através, claro, de um decreto, representaria sim uma regulamentação legal e necessária à competência atribuída ao Ministério do Trabalho pelo n.º 1 do artigo 270 da Lei do Trabalho.
Não pretendemos com isso dizer que os Ministros, em hipótese alguma, podem exercer a competência regulamentar. Na verdade, casos existem em que os Ministros podem ter poder regulamentar. Porém, é preciso que esse poder decorra da Lei (neste sentido, Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 47). Até porque a obrigatoriedade de obediência à Lei decorre do n.º 3 do artigo 2 da nossa Lei-Mãe – Constituição da República.
Exemplificatvamente, e mantendo a mesma base comparativa com a regulamentação da Lei n.º 8/91, de 18 de 18 de Julho, o Conselho de Ministros, órgão a quem foi incumbida a responsabilidade de regulamentar esta Lei, delegou no Ministro da Justiça a competência para proceder ao reconhecimento específico das associações de natureza não lucrativa bem bem como para regular o procedimento de registo das associações de natureza não lucrativa nas Conservatórias de Registo Civil ou Comercial. E, com base nesta delegação de poderes o Ministro da Justiça aprovou o DM n.º 31/92, de 4 de Março, através do qual atribui competência à Conservatória do Registo Comercial para efectuar o registo das associações não lucrativas. Como se vê, aqui o poder regulamentar do Ministro da justiça tem fundamento legal.
Concluindo, perante este vício do DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, resultante da falta de competência regulamentar da Ministra do Trabalho em relação a Lei do Trabalho – o que, como já dissemos, se retira do art. 269º da Lei do Trabalho na sua interpretação a contrario sensu – torna-se necessário que se suscite (faculdade atribuída, nos termos do n.º 2 do artigo 245 da Constituição, ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, a um terço pelo menos dos deputados da Assembleia da República, ao Primeiro Ministro, ao Procurador Geral da República ou a dois mil cidadãos) ao Conselho Constitucional a declaração da ILEGALIDADE do acto normativo da Ministra do Trabalho e que, respeitando a lei (princípio consagrado no n.º 3 do artigo 2 da Constituição), se proceda à uma “nova” regulamentação da competência transitória atribuída ao Ministério do Trabalho em matéria de resolução extrajudicial de conflitos laborais (n.º 1 do artigo 270).
Stayleir Marroquim/Ilídio Macia
Mas não é disto que pretendemos discutir. Pretendemos sim analisar a legalidade do Diploma Ministerial (DM) n.º 75/2008, de 13 de Agosto, aprovado pela Ministra do Trabalho.
Tal como resulta dos dois últimos parágrafos do preâmbulo deste Diploma Ministerial, o mesmo foi aprovado com o objectivo de regulamentar a competência transitória que a Lei do Trabalho, no seu artigo 270º, n.º 1, atribui ao Ministério do Trabalho no que respeita a realização da mediação, enquanto os centros de mediação não entrarem em funcionamento.
É o que se segue o conteúdo dos referidos parágrafos daquele preâmbulo:
“A Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, no seu artigo 270, n.º 1, determina que enquanto estes órgãos (subentenda-se, órgãos de mediação) não entrarem em funcionamento, compete ao Ministério do Trabalho a resolução extrajudicial de conflitos laborais.
Neste contexto, convindo regular o exercício da referida competência,de moldando-a dentro dos princípios imparcialidade, independência, celeridade processual, equidade e justiça, a Ministra do Trabalho determina:”
Pensamos que foi infeliz a Ministra do Trabalho ao tomar tal iniciativa. Vejamos então porquê!
É verdade que a competência transitória atribuída ao Ministério do Trabalho no sentido de proceder à resolução extrajudicial de conflitos laborais, prevista no n.º 1 do art 270 da Lei do Trabalho, carecia de regulamentação. Até porque, não raras foram as vezes em que nós próprios, no exercício da advocacia, vimo-nos confrontados com certas dúvidas relativamente ao modo como o processo de mediação deveria ser dirigido. Exemplificativamente, não era pacífico se o pedido de mediação deveria ser apresentado necessáriamente no Ministério do Trabalho, para que este, por sua vez, fizesse a distribuição para a Direcção Provincial do Trabalho competente, ou se, poderia ser apresentado directamente na Direcção Provincial do Trabalho correspondente à área em que o lítigo laboral teve lugar. Também desconhecíamos quais os órgãos que, dentro do Ministério do Trabalho é que desempenhariam a competência acima referida. Entre outras que, com maior ou menor importância, mereceram, e continuam merecendo, a nossa atenção.
Porém, tal como resulta artigo 269º da Lei do Trabalho, o único órgão com competência para regulamenta-la é o Conselho de Ministros (e nenhum outro), cujos actos normativos tomam, para o caso que ora nos interessa, a designação de decreto (artigo 200 da Constituição da República). Interpretando esta disposição, podemos pacificamente concluir que nenhum Ministro, individualmente considerado (nem mesmo o do Trabalho), tem competência regulamentar nos termos da nova lei do Trabalho.
Aliás, este está muito longe de ser um caso isolado em que a competência regulamentar de uma Lei é atribuída ao Conselho de Ministros e não a um só Ministro. É que aconteceu, por exemplo, com a Lei n.º 8/91, de 18 de Julho (Lei de Liberdade de associação), designadamente, no seu artigo 20. Porém, aqui o poder regulamentar foi efectivamente exercido pelo Conselho de Ministros que, através do Decreto n.º 21/91, de 3 de Outubro, delegou no Ministro da Justiça a competência para o reconhecimento das associações não lucrativas bem como para regular o procedimento do respectivo registo nas Conservatórias do Registo Civil e Comercial (esta última hoje designada Conservatória do Regsito de Entidades Legais).
Ora, num Estado de Direito, a competência não se presume, ela decorre da Lei. É a Lei (aqui tomada no seu sentido amplo) que, casuisticamente, vai atribuindo competência normativa aos diversos órgãos do Estado.
Nestes termos, porque a Lei do Trabalho não atribui competência regulamentar alguma à Ministra do Trabalho e também porque não existe Decreto algum do Conselho de Ministros (que, repetimos, é o órgão com poder para regulamentar a Lei do Trabalho – art. 269 desta Lei) a delegar esta competência regulamentar à Ministra do Trabalho, somos forçados a concluir (com o devido respeito) que o DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, enferma de um vício de INCOMPETÊNCIA, sendo, por conseguinte, ILEGAL.
Podemos, no entanto, afirmar que se o conteúdo do DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, tal como se nos apresenta, tivesse sido aprovado pelo Conselho de Ministros, através, claro, de um decreto, representaria sim uma regulamentação legal e necessária à competência atribuída ao Ministério do Trabalho pelo n.º 1 do artigo 270 da Lei do Trabalho.
Não pretendemos com isso dizer que os Ministros, em hipótese alguma, podem exercer a competência regulamentar. Na verdade, casos existem em que os Ministros podem ter poder regulamentar. Porém, é preciso que esse poder decorra da Lei (neste sentido, Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 47). Até porque a obrigatoriedade de obediência à Lei decorre do n.º 3 do artigo 2 da nossa Lei-Mãe – Constituição da República.
Exemplificatvamente, e mantendo a mesma base comparativa com a regulamentação da Lei n.º 8/91, de 18 de 18 de Julho, o Conselho de Ministros, órgão a quem foi incumbida a responsabilidade de regulamentar esta Lei, delegou no Ministro da Justiça a competência para proceder ao reconhecimento específico das associações de natureza não lucrativa bem bem como para regular o procedimento de registo das associações de natureza não lucrativa nas Conservatórias de Registo Civil ou Comercial. E, com base nesta delegação de poderes o Ministro da Justiça aprovou o DM n.º 31/92, de 4 de Março, através do qual atribui competência à Conservatória do Registo Comercial para efectuar o registo das associações não lucrativas. Como se vê, aqui o poder regulamentar do Ministro da justiça tem fundamento legal.
Concluindo, perante este vício do DM n.º 75/2008, de 13 de Agosto, resultante da falta de competência regulamentar da Ministra do Trabalho em relação a Lei do Trabalho – o que, como já dissemos, se retira do art. 269º da Lei do Trabalho na sua interpretação a contrario sensu – torna-se necessário que se suscite (faculdade atribuída, nos termos do n.º 2 do artigo 245 da Constituição, ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, a um terço pelo menos dos deputados da Assembleia da República, ao Primeiro Ministro, ao Procurador Geral da República ou a dois mil cidadãos) ao Conselho Constitucional a declaração da ILEGALIDADE do acto normativo da Ministra do Trabalho e que, respeitando a lei (princípio consagrado no n.º 3 do artigo 2 da Constituição), se proceda à uma “nova” regulamentação da competência transitória atribuída ao Ministério do Trabalho em matéria de resolução extrajudicial de conflitos laborais (n.º 1 do artigo 270).
Stayleir Marroquim/Ilídio Macia