sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Regulamento da Inspecção Geral do Trabalho - Um Reparo

Foi aprovado pelo Decreto n.º 45/2009, de 14 de Agosto o Regulamento da Inspecção-Geral do Trabalho (IGT). Trata-se de um instrumento importante pois define as regras de funcionamento de uma instituição ( I.G.T) que tem como missão assegurar o controlo do cumprimento das normas relativas às condições de trabalho, à prevenção de riscos profissionais, segurança social obrigatória, colocação, emprego, contratação de mão-de-obra estrangeira( cfr. n.º do art. 2 do decreto 45/2009, de 14 de Agosto). Trata-se, sem dúvidas, de um instrumento legal de extrema importância. Todavia, há neste Decreto um aspecto que, quanto a nós, deve ser corrigido com maior brevidade.
E que aspecto é esse?
O n.º 2 do art. 25 do Decreto em questão estabelece que "os recursos contenciosos têm efeito suspensivo e devem ser submetidos ao tribunal competente." Ora, esta redacção colide de forma frontal com o disposto no art. 29 da Lei do Processo Administrativo Contencioso (LEPAC), Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, que, como se sabe, tem valor hierárquico superior ao Decreto 45/2009, de 14 de Agosto.
Dispõe a LEPAC, em sede dos efeitos do recurso (art. 29, n.º 1) que "o recurso contencioso tem efeito meramente devolutivo". Porém, "o recurso contencioso tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido quando, cumulativamente, esteja em causa o pagamento de quantia certa de natureza não sancionatória e tenha sido prestada caução por qualquer das formas admitidas no direito processual civil" (n.º 2 do artigo 29 LEPAC).
Em boa verdade, as multas aplicadas pela IGT tem natureza sancionatória ( n.º 2 do art. 8 do Decreto 45/2009, de 1 de Agosto) e, tendo esta natureza, logo, nos termos do n.º 2 do artigo 29 da Lei 9/2001 (LEPAC), o recurso contencioso dos actos deste órgão não pode ter efeito suspensivo, mas sim meramente devolutivo, nos termos do n.º do artigo 29 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho (LEPAC).
Desta forma, sugerimos que seja corrigido o n.º 2 do art. 25 do Decreto 45/2009, de 14 de Agosto, pois este colide com o disposto no art. 29 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, que, como se sabe, é fonte de Direito de valor hierárquico superior, e como tal se impõe àquele. Diga-se mesmo, em jeito de fecho, que o n.º 2 do artigo 25 do Decreto 45-2009, é ilegal.

9 comentários:

Júlio Mutisse disse...

Irmãos, e o nº 2 do artigo 10 da Lei 18/92?

stayleir marroquim disse...

O nr. 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, a fixar a competência dos tribunais do Trabalho, determina que estes órgãos podem julgar recursos interpostos das decisões de autoridades administrativas....

Mas não se esqueçam que o art. 25, nº 2 do Decreto nº 45/2009, de 14 de Agosto, não se refere a qualquer recurso, refere-se sim aos recursos contenciosos....

A análise sistemática da nossa legislação bem como da doutrina leva-nos a concluir que quando nos referimos aos recursos contenciosos estamos em sede de matéria da competência dos Tribunais Administrativos (oportunamente enviar-te-ei alguns textos e/ou legislação - mesmo do direito português, que seguimos muito de perto - que nos permitem concluir neste sentido...aliás, se analisarmos as disposições relativas a matéria de recursos incerta quer na lei processual laboral que na civil que se lhe aplica subsidiariamente, não encontraremos a terminologia recursos contenciosos), ou seja, questões controvertidas que serão dirimidas pelos Tribunais Administrativos.

Ora, admitindo esta conclusão como certa, então não poderemos deixar de afirmar que o nº 2 do art. 25 do Decreto nº 45/2009, de 14 de Agosto, já delimita o seu campo de aplicação - que, de acordo com as premissas atrás referidas, será o da competência jurídico-Administrativa.

Mas há mais (e é aqui que reside o problema, ou, pelo menos, a sua origem). É que o nº 1 do art. 29, da Lei nº 9/2001, de 7 de Julho, também se refere aos recursos contenciosos (ou seja, aqueles que são dirimidos pelos Tribunais Administrativos). E dispõe, esta disposição legal, que os recursos contenciosos têm efeito meramente devolutivo, e não suspensivo. E, tal como dissemos no nosso artigo, no que diz respeito aos recursos contenciosos, não podem os Decretos (por falta de força para o efeito), como o que aprova o Regulamento da Inspecção Geral do Trabalho, alterarem legalmente o que vem disposto na Lei 9/2001, de 7 de Julho.

(...) No fundo, tudo passa por definir o conceito de recurso contencioso.... que, repito, parece-me remeter-nos à matéria da competência dos Tribunais Administrativos (e não de Trabalho).

SM

Anestesia disse...

A matéria laboral é de natureza suis generis.o recurso de uma decisão sancionatória pecuniária da IGT (muito me parece) não pode ser conhecida por um Tribunal Administrativo, muito embora a terminologia usada tenha que ver com um recurso contencioso.A questão aqui não é da mera titulagem do recurso, é, sim, da essência da qual emanam os factos.Os tribunais administrativos não conhecem dos recursos interpostos de decisões sancionatórias da Inspecção Geral do Trabalho.Tal matéria encontra coito em foro de contencioso laboral cujos tribunais competentes são os do Trabalho. Creio que é aqui onde reside o pomo da discórdia: qual o tribunal competente.

Alexandre Chivale disse...

Meus caros

Concordo total, aberta e incondicionalmente com a vossa assertiva.

Aliás, é tempo de os projectos de lei serem objecto de debate amplo antes da sua aprovação.

Na verdade elas são apenas debatidas muito tarde, não permitindo a sua rápida emenda.

Mas creio que no caso em apreço outra saida não há senão usar-se o regime da Lei nº 9/2001, de 7 de Julho, porquanto, de herarquia superior e que melhor garante a seguranca jurídica.

Tenho dito.

marroquim.macia disse...

Este artigo tem estado a ser debatido paralelamente via e-mail. Assim, por forma a tornar o debate mais produtivo, reproduzimos os comentários que nos foram enviados ontem pelo Dr. Roque Gonçalves (advogado).

"Na minha opinião a questão de fundo reside em saber se estamos em sede de matéria especializada – laboral ou em sede de processo do contencioso administrativo. Se concluímos que são matérias de contencioso administrativo, os bloguistas podem ter razão. Mas, se for matéria meramente laboral, como dispõe o artigo 8º, alíneas i), j) do nº 1 do artigo 9º, o nº 2 do artigo 9º e o artigo, todos da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro (vulgarmente tratada por Lei dos tribunais de trabalho), então os bloguistas perdem a razão.

Notar ainda que recentemente no caso G4, o tribunal administrativo veio julgar-se incompetente para julgar um caso referente a revogação de permissão de trabalho de um mandatário estrangeiro.

Cpts,

JRG"

"Reforçando: vejam principalmente o nº 2 do artigo 10º da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro.
JRG"


P.S.
Em termos temporais, este comentário antecede à pergunta de Júlio Mutisse (advogado) e, muito do que por nós foi dito em resposta deve igualmente aqui servir.

marroquim.macia disse...

Caro/a Anestesia,
Caro Chivale (companheiro de longas jornadas jurídico-científicas),

Apreciamos e agradecemos a V. contribuição.
Os comentários que temos estado a receber, por esta via e por email, justificam a elaboração de um segundo artigo, pois, por um lado, existem algumas perguntas e/ou comentários que foram colocados, e, por outro, demos continuidade a nossa investigação o que nos permitiu, sem alterar a espinha dorsal, alargar o âmbito das nossas conclusões.
Cumprimentos.

SM/IM

marroquim.macia disse...

Segue abaixo mais um comentário que nos foi enviado pelo Dr. Carlos Martins (advogado) na sequência do debate paralelo que está a decorrer via email.
Dada a sua extensão e a limitação de caracteres disponíveis para comentários, lança-la-emos em duas partes.

"Caros colegas,

Só hoje manifesto a minha opinião, porque estava ausente do escritório por motivos de saúde.

A resposta às preocupações avançadas pelos colegas, deve ser encontrada nos limites negativos de jurisdição.

Assim, dispõe o artigo 10º n.º 2 da Lei n.º 18/92 de 14 de Outubro, que “O julgamento dos recursos interpostos das decisões de autoridade administrativa nos domínios laboral e de segurança social é, igualmente, da competência dos tribunais de trabalho”. Sempre entendi que as decisões aqui referidas, são as emergentes de autos de notícias, que são levantados durante a fiscalização. Como todos sabemos, os autos de notícias fazem fé em juízo e caso o particular não concorde com a multa aplicada no auto de transgressão, recorre para os tribunais de trabalho. Está claro como água cristalina, que se o particular recorrer desse auto de notícias e respectivo auto de transgressão, esse recurso terá efeitos suspensivos. No anterior regulamento, está matéria não estava regulamentada e nem a Lei do Contencioso Laboral tinha previsão, daí que a maioria entendia que independentemente de previsão, o recurso teria sempre efeitos devolutivos, sustentado no princípio de execução prévia da administração pública. Eu particularmente, não tinha o mesmo entendimento em face do direito constituído. Nos tempos da José Caldeira, Advogados e Consultores, Limitada, cheguei a elaborar um recurso, nos termos retro referidos e não sei se já teve desfecho, cuja cópia segue em anexo.

Só que, no meu entender, nem todas as decisões proferidas pelo órgão que vela pela justiça laboral são susceptíveis de recurso para as Secções/Tribunal do Trabalho, dependendo do acto ter ou não emergido do auto de notícias. Assim, no que se refere ao actual caso da G4S que assisto, entendi e justifiquei porque razão o Tribunal Administrativo é o competente, sendo certo que pelo facto do artigo 29º estabelecer que o recurso tem efeito meramente devolutivo, interpôs o respectivo meio acessório de suspensão da eficácia do acto administrativo, que segue em anexo. Este caso ainda não teve decisão."

Continua.

marroquim.macia disse...

Carlos Martins

Continuação.

"Recentemente, o Gilberto Correia propôs uma acção no Tribunal Administrativo, pelo facto da sua constituinte ter visto a sua comunicação de admissão revogada, por estar a prestar a sua actividade na Beira, quando a referida comunicação ocorreu em Maputo. Como se sabe, o Ministério do Trabalho, sem base legal, refere que a quota é por província, esquecendo que as empresas podem estar implantadas pela País, justificando-se plenamente que possam ocorrer transferência ou trabalhos de rotina. Neste caso, o Tribunal Administrativo proferiu um Acórdão em que remete o caso ao Conselho Constitucional para declarar inconstitucional o artigo 10º n.º 2 da Lei 18/92 de 14 de Outubro, por contrariar a constituição da República, no que tange aos poderes do Tribunal Administrativo. Salvo melhor opinião, penso não haver inconstitucionalidade alguma, poderia existir conflito de competências, que deveria ser decidido por um tribunal de conflito. Pretendo elaborar um artigo sobre este caso, porque penso que pode prejudicar o meu em curso, pela forma como foi abordada a questão de fundo.

Situação diferente é o que acontece com o artigo 189º do Código da Propriedade Industrial, que acaba por ser letra morta face ao artigo 29º da Lei n.º 09/01 de 07 de Julho, por duas razões, a saber:
1. Primeiro, porque sendo a Lei n.º 09/01 de 07 de Julho adjectiva ou instrumental, significa que a defesa de todo o direito subjectivo público ou interesse legalmente protegido, rege-se pelo disposto nesta lei, sendo, por isso, aplicável ao recurso contencioso o efeito ali fixado, nos termos dos artigos 1º, 2º, 3º e 29º;
2. Segundo, porque nem podemos aplicar o princípio de que a Lei especial derroga a Lei geral, porque os diplomas em causa não têm a mesma força, uma vez que o contencioso administrativo é regido por uma Lei, enquanto que os direitos da propriedade industrial são regulados por um Decreto.
Assim,
Como facilmente se alcança, o efeito do recurso contencioso é meramente devolutivo, querendo isto significar que até à decisão do Tribunal Administrativo é lícita a utilização da marca, por prevalecer à decisão impugnada. Poderia questionar-se, dada a especificidade da matéria, se não era contra procedente que alguém investisse numa marca concedida e posteriormente a mesma concessão fosse revogada a favor de terceiros. É sim contra procedente, mas esta discussão é ao nível do direito a constituir e não ao nível do constituído.

Aproximando-me do caso concreto e por tudo o retro exposto, não encontro razões que justificam a alegada ilegalidade.

Sem mais,

Carlos Martins"

Dodozinho disse...

Saudações!

Gostaria de ter um esclarecimento acerca da indemnização por danos não patrimoniais emergentes da relação laboral...
Será que ha lugar para indemnização desta natureza no nosso O.J?
Quid juris à aplicabilição do princípio geral do artigo 498 do CC?